
carta [01]
para J
inverno paulista.
junho, 2021.
te escrevo ao som de gravin luke - spirit garden
madrugada, meus pés se envolvem em duas meias
lã com urso na lateral, talvez você usaria
duas blusas, cachecol, a mão livre corre essas palavras
me encontro perto
território é um lugar dentro
cerca de dez ou vinte quarteirões
para te ver passos apertados
quem sabe assim, saudade não seria tão gelada
abro a gaveta que toquei na primavera passada
seu livro como deixei
como o tempo nos deixou
intactos nessa estrutura
uma carta o acompanha
escuto o calor das palavras
sua existência me aquece
incendeio feito criança maravilhada
aventuro-me ao nada
nossa brincadeira favorita
é atribuir sentido às coisas miúdas
você carrega essa honestidade
de ser sempre você
dono do sarcasmo perfurante
veja bem, você me traz o concreto
em seguida passa a massa
tal arquitetura nos construindo
sou devota aos seus movimentos
você me confia, me põe pra jogo
nosso encontro fenômeno onde vou
me aproximar sei do nosso tom-tempo
sigo devorando l e n t a m e n t e
o livro que me deu
me demoro, nos demoro, rememoro
aprecio sua companhia
fiz algumas anotações
no rodapé para te contar
preciso de um porre de você
dos nossos corpos celebrantes
em meio a pista da vida
fecho os olhos, nos vejo no chão
na sala do ninho, rindo engasgadamente
de algo que não sabíamos, mas sentíamos
gosto do jeito que você gargalha as coisas
revelador e bonito quando em seguida
sua mão alcança com os dedos sua boca
só você faz isso
quero arquear o tempo mais perto
das coisas que me importam
enquanto esfarelo essas palavras
te entrego transparência e nudez
é de olhos marejados
que te aceno
erika genebra.